UM COMENTÁRIO SOBRE: "O POÇO"


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Pois bem queridos amigos, mais uma vez, seguindo a tradição do blogue, não trataremos aqui de uma analise cinematográfica desse filme que vem chamando a atenção de muita gente , além é claro,  de diversos sites especializados também. Acredito que este será mais um exemplo de filme que será trabalhado em vários cursos de Ciências Humanas, e áreas relacionadas, pois sua temática é instigante, e seus questionamentos são  relevantes em diversos níveis. Mas antes de comenta-lo, tenho que fazer algumas considerações.
Durante muito tempo, o protagonismo das produções cinematográficas norte americanas pareceu ser algo quase que impossível de se superar, mas talvez, essa impressão se deva mais ao fato de que os estúdios e  empresários ligados a esse segmento, ao longo dos anos, tiveram papel importante na expansão político-econômica que os Estados Unidos empreenderam desde meados da segunda metade do século XX. Eu sei que tá parecendo conversa de “comunistinha de faculdade”, mas é fato que o “Tio Sam” a muito tempo compreendeu que territórios e principalmente mercados, são conquistados não apenas com  poderio militar. A cultura de massa e o entretenimento, é em alguns casos mais eficiente em conquistar seguidores e até mesmo defensores do “American way of  life”, pois o sonho americano passou a ser o modelo de vida perfeito para uma grande parte das pessoas ao redor do mundo, tudo isso graças aos filmes e séries que foram exportados para vários países e repetidos a exaustão nas principais e mais populares redes de televisão de praticamente todo o mundo. (parece familiar?)

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Acontece que a partir do inicio do século XXI, o já consolidado fenômeno chamado globalização, fez com que além de uma economia planificada, o mundo passou também a compartilhar referencias culturais. Claro que isso acontece desde muito antes da então chamada era moderna, quando as grandes navegações intensificaram o processo multiculturalista de maneira nunca antes vista. A diferença agora é que a grande metrópole não é a única a ditar as regras, e os países que antes  apenas copiavam e reproduziam o modelo cultural cinematográfico dos americanos, passou também a não apenas se beneficiar da fórmula, mas sim modifica-la e adapta-la as suas referencias politico-sociais, e como se isso não fosse o bastante, passaram também a conquistar espaço e respeito entre o público consumidor de todo o mundo, inclusive o norte americano. O exemplo mais recente, são as produções disponibilizadas, nos cada vez mais populares serviços de Streaming , com eles produções de vários países se tornam populares e graças à nossa dublagem, não deixam a dever em nada em qualidade e relevância. Eu poderia citar agora vários exemplos, como  as produções sul coreanas, como o vencedor do Oscar, claro que estou me referindo a “Parasita”, ou a aclamada serie espanhola “La casa de papel”, mas o assunto de hoje será o filme de 2019 chamado “O Poço”, que coincidentemente (ou não) também se trata de uma obra ibérica.

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Logo de inicio, não é meu intuito te explicar o filme ou seu enredo, pois suponho que você já o tenha visto, ou então aquele seu amigo cinéfilo, já tenha lhe contado e explicado o enigmático final, que está sendo amado e odiado pelas pessoas que já o conferiram. Mas, nesse caso especifico, apesar de não perdoar quem me conta final, ouvir uma descrição da sequencia final do filme, não quer dizer objetivamente que você sabe o final, pois acredite, se cinco pessoas assistirem juntas, é capaz que cada uma veja um filme e principalmente um final diferente. Se antes qualquer manifestação cultural vinda de países como a Espanha, atraía atenção por ser algo exótico ou estigmatizado, hoje isso não se sustenta, pois, apesar de cada cultura manter em algum nível sua  especificidade, nosso atual modelo de sociedade globalizado, urbano e baseado no consumo e acima de tudo no consumismo, nos tornam seres uniformes que curiosamente, independente de qual lugar do mundo estejamos, acabamos por compartilhar angustias, ansiedades, traumas e transtornos psicológicos dos mais variados tipos, sendo assim, a história que se passa em “O Poço”, poderia muito bem se passar em qualquer lugar do mundo, sem exagero da minha parte.

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Em um primeiro momento, a trama parece querer abordar com um maniqueísmo explicito, questões referentes a estratificação social, a famosa luta de classes se você assim preferir. Mas cuidado, é muito cedo para achar que você entendeu o que está se passando, ou mais precisamente, cedo demais para compreender qualquer coisa. É claro que o bom e velho Marx está lá, mas a meu ver, o filme é um conjunto de vários conceitos e reflexões sociológicas, filosóficas e religiosas. O mais interessante, é que nada parece forcado ou deslocado conceitualmente, existe um equilíbrio entre som e imagem, onde muitas vezes o que se vê em determinado momento, é mais importante que um dialogo entre personagens, cuidado quando for tomar água ou ir ao banheiro, aconselho que pause o filme e volte a ele com calma. Como eu disse anteriormente, dependendo da bagagem conceitual que você tenha (não me refiro apenas a conhecimento acadêmico) a forma como o filme falará contigo será diferente, afinal, na maioria das vezes, escolhemos ver aquilo que queremos ver, moldamos nossas interpretações de acordo com nossas experiências de vida e não há nada de errado com isso, pelo contrário, é isso que nos torna únicos, apesar da objetividade da vida cotidiana insistir em nos transformar em algozes do que um dia fomos, ou seja, nos transformar naquilo que nos magoou, afinal como dizia Paulo Freire, quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor .

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Uma das muitas metáforas que o filme retrata, é justamente essa de que muitas pessoas, quando ascendem socialmente são incapazes de se colocar no lugar dos outros, ou então quando um dos personagens chega a conclusão de que nenhuma mudança ocorre de maneira espontânea, e que é válido ser mais temido que respeitado, sem falar na noção de líder carismático trazendo o assunto pra teoria Weberiana. Acredito que esgotar as possibilidades teóricas que esse filme instiga, não será tarefa fácil, justamente por acreditarmos sempre que o inferno são os outros, e que as ações  negativas e nocivas são exclusividade da sociedade, como se houvesse a possibilidade de nós não termos nossa parcela de culpa, como se não fossemos parte desse caos que vitimiza e aniquila boas intenções. Nós somos a sociedade, mesmo que estejamos na infraestrutura, que sustenta e glorifica a superestrutura, seguimos as regras do jogo e não consideramos a possibilidade de virar o tabuleiro, e quando temos a oportunidade, não quebramos o ciclo, apenas damos continuidade, acompanhando a subida e a descida da plataforma, que nos leva e que nos trás possibilidades, que podem ou não, se concretizar ou se perpetuar para o bem ou para o mal.

Ficha Técnica: O Poço (Original Netflix)
Título Original: The Platform
Duração: 94 minutos
Ano produção: 2019
Estreia: 20 de março de 2020
Distribuidora: Netflix
Dirigido por: Galder Gaztelu-Urrutia
Classificação: 18 anos
Gênero: Suspense
Países de Origem: Espanha



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