TRANSIÇÃO DE 2020 PARA 2021 (AINDA ESSE ASSUNTO?)

 

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Pois bem, aqui estamos nós, passamos do décimo segundo mês dessa loucura que foi 2020, eu sei que você possivelmente já cansou de ouvir piadinhas e analogias relacionando aquele ano com algum jogo ou desafio que se vence superando etapas e fases, mas sinto em lhes dizer, eu farei a mesma coisa. Chego ao início deste novo ano definitivamente uma pessoa diferente, muitas coisas ficaram para trás e algumas me acompanham em vez de outras, pelo menos eu sei mais ou menos do que estou falando, diferentemente de outros “finais de ano” onde eu sempre considerava que finalmente eu estava sendo a melhor versão de mim mesmo, e contava as poucas, mas sempre bem-vindas, vitórias e conquistas. Este ano para algumas pessoas será um divisor de águas, para o bem e para o mal, e em relação a alguns, não significará nada de mais, a não ser mais uma turbulenta e dificultosa etapa de seu cotidiano, dividido entre o acordar e o bater do ponto em seus horários respectivos, definitivamente a diacronia não corresponde a sincronia em que operam a grande maioria dos indivíduos, sejam eles quais forem e onde estiverem.

É decepcionante para mim, tomar consciência de maneira tão objetiva que definitivamente somos alheios a grande parte do que acontece ao nosso redor, enquanto sociedade, somos milimetricamente ordenados e condicionados, seja qual for a motivação, nosso rito diário não se abalará mesmo que literalmente chova canivetes. Existe um ditado popular que diz o seguinte: “Enquanto uns choram, outros vendem lenços” e isso meus caros, se fez presente durante todo o ano de 2020, não que isso seja uma novidade, mas, pelo menos, em minha geração foi a primeira vez que presenciei tal fenômeno. Mas afinal de contas, porque tal espanto de minha parte, já me foi dito que o fim de um mundo, não é necessariamente o fim do mundo, seria apenas mais uma de tantas transições que nossa espécie experimentou ao longo de seu processo histórico. Catástrofes naturais, guerras mundiais, surtos endêmicos e epidêmicos de toda sorte, além de revoluções políticas e culturais moldaram o que hoje chamamos de realidade, minha geração especificamente, que nasceu entre os anos 70 e 80, se beneficiaram ou não do mundo que emergiu desse conturbado e sangrento contexto que se consolidou desde meados do século XIX, com sua “razão” e cientificidade, resolvendo antigos problemas e colocando novos em seu lugar, da mesma maneira que conseguimos erradicar doenças e melhorar em parte a qualidade de vida de uma parcela considerável da população mundial, nós também temos o mérito na criação de novos grilhões, novos muros e barreiras, que cada vez mais nos afastam daquilo que supostamente não tem nada a ver conosco, ou seja, a dor dos outros.

GREGÓRIO XIII

Quando terminou de soar a última badalada de 2020, simplesmente nada mudou, não houve uma mudança de página, ou rasgar de véu perante nossos olhos, ansiosos por mais doze meses com trinta ou trinta e um dias cada, com suas vinte e quatro horas e cada uma com seus sessenta minutos e segundos. Nada que planejamos para 2021, pelo menos no sentido de renovação interior, depende de um placar zerado ou início de novo calendário, somos habituados a seguir rituais, uma espécie de regra não dita, onde novos ciclos devem iniciar-se logo após o término de outro, mas uma vez demonstrando nosso egocentrismo, ao pretender sempre classificar e categorizar nosso mundo, não me refiro ao globo terrestre, mas sim a toda cosmologia ao nosso redor. Vou tentar ser mais claro, um bom exemplo é deixarmos sempre para uma segunda feira o início de alguma dieta, ou então, para um novo ano, uma nova meta em nossas vidas. Afinal o que são datas além de convenções, acordos e decisões que outros tomam sem nos levar em consideração? Nosso calendário gregoriano, por exemplo, foi promulgado pelo Papa Gregório XIII no ano de 1582 em substituição do calendário juliano implantado pelo líder romano Júlio César em 46 antes de Cristo. E como convenção e por praticidade, o calendário gregoriano é adotado para demarcar o ano civil no mundo inteiro, facilitando o relacionamento entre as nações. Essa unificação decorre do fato de a Europa ter, historicamente, exportado seus padrões para o resto do globo.

JULIO CESAR

Assim, dessa maneira, mais uma vez nossa certeza de ter algum controle sobre o tempo e espaço cai por terra, no máximo, em nossa condição de engrenagens do “status quo” vigente, nós podemos apenas optar por seguir ou não os determinismos dos ponteiros do relógio, e com isso termos uma vaga noção de sabermos o que estamos fazendo ou não, dependendo é claro da nossa intencionalidade e metas estabelecidas, que vão ao encontro ou não das metas e determinações dos outros agentes nesse nosso jogo social diário. Isso lhes pareceu complicado? Não tema, pois todo esse esquema que explanei nas linhas anteriores está gravado em nosso subconsciente, é como se fosse uma programação que seguimos e que nos foi instalada e constantemente atualizada ao longo de nosso processo de socialização, seja na família, nas escolas, nas instituições religiosas e acima de tudo nas empresas e demais órgãos de estado ou privados, instituições essas que dependem de nossos corpos dóceis para se perpetuar e reproduzir-se (Durkheim e Foucault mandaram lembranças).

Agora caminhando para o término dessa reflexão, não faz sentido desejar que o próximo ano seja melhor, nós é que temos que ser pessoas melhores do que fomos no ano anterior, é o mesmo que reclamar dos bueiros entupidos e o consequente alagamento de ruas e avenidas, se somos nós mesmos que jogamos nosso lixo em lugares impróprios, a sequência de meses que se inicia, não refletirá automaticamente uma evolução pessoal e espiritual em nossa sociedade, é claro que não podemos mudar as regras desse jogo que foi feito para ficarmos sempre em desvantagem, mas podemos nos fortalecer e planejar para que seus efeitos não sejam tão prejudiciais em nossa alma. Sendo assim, não espere a segunda feira para uma mudança benéfica de hábito, não espere o inicio do próximo ano para repensar e planejar suas ações, que tem por propósito sua emancipação, seja ela emocional, profissional ou acadêmica, nós não somos mercadoria para depender de sazonalidades, ou campanhas promocionais, todo dia e dia, e toda hora é hora de mudar, de crescer e de melhorar.


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