O NOSSO GOSTO IMPORTA, MESMO QUE NÃO SEJA A HORA.

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Durante vários anos, eu considerei tudo aquilo que não se enquadra na categoria de meus gostos pessoais, me refiro a estilos musicais e determinadas datas festivas, coisas de mau gosto e exemplos de gastos inapropriados de tempo e dinheiro, afinal, eu julgava de forma pejorativa, todas as pessoas simpáticas ao que não fosse o meu “estilo próprio” de me considerar representado. Mas o que me representa? Minha playlist, meus filmes e séries favoritas, os autores e compositores que prefiro ler e escutar, minha graduação acadêmica? A lista pode ser muito longa, composta por uma série de produtos e serviços que eu compro e consumo. Mas quem produz e faz ser possível tudo isto? Uma série de profissionais estão envolvidos e trabalhando bastante para torná los possíveis, seja divulgando ou atuando nesses projetos, e existe um mercado para eles, mercado este que garante os salários e o capital necessário para a manutenção de um grande mecanismo de funcionamento, e esta mesma engrenagem se aplica a estrutura que coloca “o bloco na rua”, da mesma forma que se aplica à sazonalidade de todas as datas festivas de nosso calendário, sejam elas seculares ou religiosas. Sendo assim, imaginemos o “meu mundo”, onde numa simples pesquisa na internet eu me deparo com todos os símbolos e marcas responsáveis pela comercialização de minha “ideologia”, e elas me estão disponíveis, desde que eu possua o capital necessário para o consumo das mesmas.

É fácil buscar conforto, no sentido subjetivo, pois enquanto os indivíduos se concentram e reproduzem os modos e conceitos referentes a determinada comemoração, seja ela carnaval, festa junina ou demais festividades, eu posso simplesmente seguir o meu próprio protocolo, e num esforço mínimo seguir minha vida e todos saem ganhando, mas não foi isso que eu pratiquei, pois objetivamente eu estava refém de meus preconceitos e influenciado pelo senso comum. Então o que me resta a fazer, é ter a serenidade e o esclarecimento de reconhecer naquelas pessoas que estão nas ruas ou nos locais destinados às manifestações, os colegas de trabalho, meus familiares e amigos e amigas, pois mesmo tendo a consciência do alto risco e da alta periculosidade de nossas cidades, além dos excessos de consumo de bebidas alcoólicas, existem pessoas que desejam somente um lazer, e terem ótimos momentos de diversão e alegria.

Agora, saindo dessa abordagem romântica e positiva, assim como os outros eu também sou um produto, somos consumidores que estão se qualificando para sermos disputados e adquiridos, nessa sociedade onde o mercado é algo abstrato mas da mesma forma objetivo, indo além do que vemos nas lojas ou que presenciamos em suas prateleiras, de maneira quase canônica nos faz não estranharmos a forma como não o contestamos, pois eu mesmo posso em algum momento ser auto caracterizado por meus desejos e vontades, para que eu os consiga satisfazer, afinal, onde começa e onde termina minha autenticidade? Estarei eu correndo pro lado errado, ou me distanciando do que seria meu objetivo, aquele inspirado na exceção que foi vendida como regra alcançável apenas por uma adequação ao modelo predominante?

Este texto vos chega um pouco atrasado, mas gosto de pensar que isto foi intencional, afinal de contas, muita coisa precisou ser digerida. Por isso creio ser este o momento certo para se abordar o assunto que tenho em mente, mas não se preocupe, este não será mais um daqueles que traz informações sobre a origem Cristã ou Pagã do carnaval que muitos sites e canais digitais já trataram de forma competente e objetiva, e nem mesmo tenho a intenção de ditar aqui noções sobre a moral e os bons costumes, seja lá o que você entenda por isso. Todos os anos, principalmente no período que antecede o carnaval, declarações de autoridades dos mais variados segmentos da sociedade, questionam o porquê de não se direcionar os investimentos público-privados que são destinados ao carnaval para algum projeto social com caráter assistencialista por exemplo. Pode-se estender o mesmo questionamento a qualquer outra data festiva que o comércio ou o estado tenha interesse em manter e perpetuar em nosso calendário, lembrando que no período da pandemia, as festividades foram adiadas pelos governos estaduais e municipais, nossa analise aqui se da no sentido estrutural dos eventos.

Émile Durkheim eu seu livro: Da Divisão do Trabalho Social (1893), nos diz que uma sociedade se baseia no grau de coesão de suas inter-relações, em sua obra, ele enumera dois tipos hipotéticos de sociedade, que são os conceitos de solidariedade mecânica e de solidariedade orgânica. O objetivo deste texto não é o de explicar estes conceitos, mas pra nossa conversa ser mais produtiva basta ter em mente que na Sociologia de Durkheim, o termo “solidariedade” não significa todos de mãos dadas celebrando a paz e o amor, mas sim, uma coesão no sentido de que se estabelece uma via de mão dupla, onde uma ação está ligada a outra, e esta relação pode acontecer de forma mecânica, ou seja, quando há uma mínima divisão do trabalho, ou de forma orgânica, onde a solidariedade acontece de forma complexa, com grande diferenciação entre as atividades causando uma interdependência, dai o termo “orgânico”, pois assim como nossos órgãos internos, os indivíduos em nossa sociedade se relacionam de maneira que suas existências derivam do bom funcionamento das relações sociais, sejam elas profissionais ou não.

Nosso caso é claro, se trata da segunda opção, mas, preciso tratar de mais um termo técnico, também relacionado a Sociologia, mas que é amplamente utilizado na administração comercial, que é a sazonalidade, ela consiste na variação de demanda sobre determinado produto ou serviço de acordo com o período ou época do ano. A sazonalidade influencia diretamente vários tipos de negócios, como por exemplo: Hotelaria, Agências de viagens além é claro do comércio local. Este sim é o que mais impacta em nosso dia a dia, pois quem trabalha no comércio por exemplo, sabe que um bom administrador planeja as vendas de fim de ano com meses de antecedência, o mesmo se aplica as outras festividades de nosso calendário. Por isso não conte que algum dia você ouvira a notícia de que o carnaval ou o São João foram cancelados, ou de que em nome da moral ou dos bons costumes, qualquer data comemorativa, Cristã ou Pagã, foi retirada do calendário, nosso modo de vida está organizado dessa maneira, interagimos e nos relacionamos das mais variadas formas, seja ela física ou digital, você está direta e indiretamente dependendo sempre da ação profissional ou não de outras pessoas e instituições. Nosso modelo econômico se baseia no consumo de bens e serviços, até mesmo a produção de alimentos, exceto algumas pequenas iniciativas, são destinadas ao fornecimento e abastecimento de outros mercados, e não para o consumo da comunidade que os produz. Assim sendo, tenha certeza que de alguma maneira o carnaval deste ano ajudou a colocar comida em sua mesa e na minha, independente de eu gostar desta data ou não.

Que estranho não é mesmo? Façamos este mesmo exercício com outras datas e eventos comemorativos, e veremos que estamos todos presos em uma teia repleta de anúncios e outdoors, onde somos consumidores ao mesmo tempo em que somos consumidos em nossa alienação, no sentido Marxista do termo. Agora, se isto é bom ou ruim é outra história, afinal tá chegando a Semana Santa e a venda de frutos do mar aumentará muito, junto com os preços também, e logo em seguida tem a Páscoa e em seguida as festas Juninas! Viram só quantos trabalhadores irão ser pagos com a nossa ajuda?


SÓ PRA CONSTAR… ESTOU SENDO SARCÁSTICO.

Comentários

  1. Amei, sua escrita é muito boa. Adorei ler um pouco sobre suas ideias e analogias. Parabéns.

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