O IDEAL DEMOCRÁTICO E O PATRIMONIALISMO NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

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Com base nos acontecimentos históricos referentes à formação do estado brasileiro, podemos mesmo afirmar que existe realmente uma democracia em nosso pais? Logo de início devo chamar a atenção para que tipo de democracia me refiro quando me dispus a escrever este texto. Quando nos referimos a algum termo ou categoria, e além disso quando pretendemos analisá-lo, devemos levar em conta seu contexto atual em contraponto ao significado que ele adquiriu desde sua origem até os dias atuais. Isso é muito sério, dependendo de qual região você se encontre, uma palavra pode variar de um elogio para se tornar um impropério, isso em se tratando de termos referentes ao nosso cotidiano, elementos que alguns dirão que são características de linguagem e que definem uma condição de pertencimento. Bom ate ai tudo bem, mas o problema é quando essa mesma indefinição resulta em uma incompreensão e por consequência ocorre o afastamento de seu significado de sua forma prática.

Claro que o tema desse texto não é o significado Ateniense de democracia, quando se entendia por povo, ou seja, os que tinham poder nas decisões, os maiores de dezoito anos do sexo masculino e que não fossem escravos, isso tudo tem seu significado e propósito na própria cultura grega da época, e também devemos levar em conta que nossa ideia de democracia é influenciada pelos ideais dos intelectuais do movimento iluminista, ou seja, já partimos de uma versão atualizada do conceito. Trazendo agora para nosso contexto levando em conta nosso passado, com o intuito de aproximar o Brasil do suposto modelo de desenvolvimento e civilidade das nações europeias e também da recente democracia norte-americana, se tentaram vários experimentos políticos em um curto período de tempo, analisando diacronicamente, como por exemplo, a aristocracia tradicional vinda com a família real, depois o Imperialismo e também o republicanismo. Todas estas formas de governo foram implantadas sem levar em consideração a sociedade em si, todos esses modelos foram sendo sobrepostos segundo interesses particulares, causando um distanciamento e acima de tudo uma falta de identificação por parte da maioria da população em relação ao seu governo. No livro Raízes do Brasil (1958), Sérgio Buarque trata da formação do que chamamos estado brasileiro, e em contra partida, analisa nossa herança Ibérica e seu papel na construção do que ele chamou de o homem cordial, que seria uma característica do povo brasileiro, ou seja, o predomínio da afetividade.

Utilizando desse conceito acredito que a cordialidade atravessou todos os experimentos políticos e ideológicos e segue como um código que não está escrito, mas está inculcado em nosso comportamento, coexistindo e se renovando, interferindo diretamente na estrutura politica brasileira. Sendo assim, o principal efeito do predomínio das relações cordiais, seria a fragilização das leis, elas são anuladas na prática por toda sorte de favorecimentos pessoais, estimulado pelo patrimonialismo. Entende-se patrimônio como a não distinção da esfera pública da esfera privada por parte dos governantes e também pelos detentores de cargos públicos e privados, ou, seja, o patrimonialismo se da de alguma maneira em todos os segmentos da esfera social de maneira quase imperceptível, pois julgamos natural tal apropriação. Em minha opinião, o afastamento do estado português, durante e depois do período colonial, proporcionou a criação de um modo próprio de organização não fundamentado no modelo racional burocrático, mas sim, embasado no patriarcalismo familiar, fortemente influenciado pela religião católica. Essa herança ibérica, segundo Sérgio Buarque, seria determinante na relação problemática entre a instância pública e privada. A importação de modelos politico filosóficos para serem implantados em nossa sociedade, sofre de um problema serio de incompatibilidade, pois, as instituições e leis que julgamos perfeitas em seus países de origem, podem, e já provaram ser incompatíveis em território tupiniquim. O que me parece é que o que se propõem nada mais é do que acomodar o exemplo importado a uma base neutra sem nenhuma especificidade ou particularidade, como se fossemos um espaço vazio.

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Essa imposição, junto com o afastamento que ela causa, talvez seja o porque do não reconhecimento da maioria da população ao estado, ao invés disso, continuamos a “proteger os nossos” em um sistema de favorecimento, que esperamos que seja reciproco, e quando isso não se confirma nos sentimos realmente ofendidos e traídos pelos que não puderam “ajudar”. Essa é uma questão ainda não politizada pela nossa sociedade, a influência de parentes e principalmente dos amigos em nossas atividades é um fator de estrema importância, pois dependendo do grau de comprometimento decisões importantíssimas são tomadas, seja no governo ou nas relações profissionais e familiares. Outro problema é o chamado messianismo recorrente em nossa história politica, procuramos sempre um salvador seja ele na figura de um líder carismático populista, ou então na forma de uma lei mágica que coloque tudo em harmonia, na crença que podemos mudar as coisas simplesmente de forma jurídica, sem uma reforma intima estrutural de nossos valores, motivo de termos tantas leis e elas parecem ineficazes é uma constatação isso.

A personalização não se dá apenas em relação ao considerado bem publico, também pode se manifestar na autoridade exercida pelo detentor de algum cargo com alguma influencia seja no meio público ou privado, como bem explicitado por Roberto da Mata em seu livro, Carnavais, malandros e heróis (1979), onde faz entre outros questionamentos, a analise do sabe com quem está falando? Nesse capitulo a distinção entre indivíduo e pessoa é bem demarcada, pois, segundo ele os seres humanos que se sentem autorizados a se dirigir dessa forma aos outros, colocam-se na posição de pessoas que são titulares de direito, são alguém no contexto social. As pessoas a quem tal pergunta é dirigida são, para os primeiros, meros indivíduos, mais um na multidão, um número. A constituição do estado brasileiro se dá através de processos únicos, que contem especificidades resultantes de sua colonização e também da estrutura politico econômica adotada ao longo do seu processo histórico. O povo brasileiro é constituído por um gênero humano único no mundo, a mestiçagem que antes era considerada a causa de seu atraso, hoje é tida como sua maior riqueza. Sendo assim, o que podia ser uma nova experiência de construção nacional, se tornou uma mera reprodução de modelos sobrepostos como já foi mencionado, oque me parece é que, na tentativa de se recuperar o tempo em que a metrópole portuguesa boicotava toda sorte de avanço técnico e educacional, tornando o Brasil uma colônia extrativista, a solução foi essa precipitação na organização administrativa. Podemos observar isto em vários momentos da nossa história, onde os governantes junto com as classes dominantes da vez decidem os rumos a serem tomados, e, seja qual o modelo ou filosofia politica a ser adotada, ela será apenas um recipiente legal para o deposito das verdadeiras razões de suas investidas no capo econômico e social.


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